12/02/16

¿Por que razão “os direitos individuais não são referendáveis”?

 

Perante o pensamento dogmático politicamente correcto, devemos fazer perguntas. O questionamento é a melhor forma de destruir o politicamente correcto que é uma burocracia do espírito.

"Um referendo sobre direitos individuais é virar a democracia de pernas para o ar, é virar a democracia contra ela própria", escreveu João Semedo em resposta à agência Lusa, considerando que referendar direitos individuais "não é democrático", embora o pareça.

É antes, disse, "admitir que um direito que é de todos possa ser retirado por alguns": "Alguém admitiria ou acharia democrático fazer um referendo em que o direito de todos à saúde ou ao trabalho, por exemplo, fosse retirado da lei por decisão de alguns?"

João Semedo


Em primeiro lugar, analisemos o aspecto formal da tese do João Semedo.

O direito à democracia participativa (direito ao referendo) é um direito de todos (é simultaneamente um direito negativo e positivo); mas o João Semedo e meia dúzia de estupores sentados nas cátedras do Poder da capital-do-império-que-já-não-existe, pensam que têm o direito de coarctar esse direito ao referendo que é de todos. Portanto, o João Semedo utiliza um argumento auto-contraditório: para ele, “os direitos são de todos” apenas e só quando lhe convém.

Em segundo lugar, vamos analisar o conceito de “autonomia” que fundamenta o “direito individual”.

Quando falamos de “autonomia da pessoa”, há duas mundividências que são inconciliáveis.

A primeira é a de que existe uma natureza humana, que é fundamentalmente idêntica desde que surgiu o homo sapiens sapiens. A segunda é a de que a dita “natureza humana” nada mais é do que uma “construção social e cultural”.

Quando falamos em “direitos do indivíduo”, devemos situar os fundamentos desses direitos em uma das duas mundividências que não são conciliáveis entre si (são mesmo antagónicas). Ou optamos por uma ou por outra. Das duas, uma: ou a autonomia é uma tendência da Natureza Humana, ou é um conjunto de valores construídos cultural e socialmente e que podem ser moldados através de engenharias sociais; ou a autonomia é promotora natural e progressiva do bem-estar do indivíduo e da sociedade, ou o seu papel de promoção do bem-estar é relativo e depende dos valores que a sociedade atribui à autonomia.

Autonomia não é a mesma coisa que individualismo e/ou colectivismo.

Decorrente da diferença entre estas duas mundividências, surgem o individualismo e o colectivismo, que não são a mesma coisa que “autonomia”. A autonomia é uma necessidade psicológica fundamental do organismo humano (a Natureza Humana perene), ao passo que o individualismo e o colectivismo são doutrinas socialmente construídas acerca das relações entre o indivíduo e a sociedade, e que consistem em diversos valores e práticas que podem ser mais ou menos interiorizadas.

Portanto, quando falamos em “autonomia”, não a podemos confundir com individualismo e/ou colectivismo. Ora, é essa confusão que é feita (propositadamente) pelo João Semedo.

Quando os conceitos de “autonomia” e de “Natureza Humana” não são senão “construções sociais e culturais”, o direito positivo é retirado ao cidadão em nome do individualismo (Paula Teixeira da Cruz e Rui Rio) ou do colectivismo (João Semedo) e transferido para uma elite de iluminados. Em ambos os casos, o cidadão só fica com o direito negativo.

Quando a autonomia é entendida em termos de necessidade de uma Natureza Humana perene e intemporal, a noção de autonomia implica o direito negativo e o direito positivo: temos o direito à nossa individualidade, mas também temos o direito de legislar sobre a sociedade. É este direito positivo (a do cidadão e do legislador) que legitima que todos possamos definir os direitos de todos.
Neste sentido de autonomia, os direitos de todos são referendáveis por todos.

Portanto, caro leitor, você tem que escolher uma destas duas mundividências. Ou você dogmatiza o conceito de autonomia e transfere o seu direito positivo para uma elite política, ou você racionaliza o conceito de autonomia e assume o seu papel de cidadão e de legislador e, neste caso, os seus direitos, como os de todos, são por princípio igualmente referendáveis.

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